Há uma larga (já portanto, inútil) discussão acerca da mentira e da verdade na comunidade de filosofia no orkut.
Vale mais pela discussão e reflexão, que induzem a leitura e ampliam o conhecimento trocado entre pessoas que tem afinidades com a filosofia.
A princípio, a discussão gera em torno de um assunto banal (homens mentem? mulheres acreditam? mulheres mentem? quem mente mais), mas ainda assim, é possível torcer tudo como se fosse um grande pano encharcado, e deixa-lo úmido, prendendo em si somente o restinho de água interessante para ser utilizada, e esse restinho é a filosofia.
Reflexão de Schopenhauer, "Aforismos para a Sabedoria de Vida" (citador.pt):
Mentira e Verdade Desmascaradas
"Se desconfiarmos que alguém mente, finjamos crença: ele há-de tornar-se ousado, mentirá com mais vigor, sendo desmascarado. Por outro lado, ao notarmos a revelação parcial de uma verdade que queria ocultar, finjamos não acreditar, pois assim, provocado pela contradição, fará avançar toda a rectaguarda da verdade."
Mentiras são necessárias para a própria sobrevivencia do ser humano enquanto vive em sociedade. Ainda assim, isolar-se do mundo, sem contato com outras pessoas, é necessário a mentira, para sua própria ilusão...mentir para si mesmo.
Compreendo a mentira como a revelação da própria covardia combinada com o prazer do domínio.
Pois sim, ao mentir, não percebe-se muitas vezes que tal mentira revela-se como verdade.
Quantas vezes já ouvimos e também já dissemos: "estou sem tempo, por isso não te procurei" ?
A vontade enquanto suprema, não é dominada por qualquer barreira que seja.
Esta mentira exemplificada, intrinsicamente, é a verdade de quem diz: "neste momento, não tenho vontade ou disposição de falar com você".
Geralmente, por conveniencia, fingimos acreditar, até porque é irrelevante discutir acerca da vontade do outro. Mas também fingimos acreditar, em muitas ocasiões, para ficarmos na plateia, apenas a observar.
Ter a verdade só para si gera um certo prazer inconsciente (mas consciente quando a mentira é premeditada e com a finalidade de prejudicar, mas aí entraríamos no campo da psicanálise, o qual não é o meu propósito aqui.), pois há o domínio em detrimento do outro.
Dizer uma mentira também pode-se compreender como covardia em não conseguir encarar o outro, ou a situação conseguinte, após revelar a própria verdade.
Reflexão de Nietzsche, "Humano, Demasiado Humano" (citador.pt)
A Mentira
"Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. Por isso Swift diz: «Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte». Em seguida, porque, em circunstâncias simples, é vantajoso dizer directamente: quero isto, fiz aquilo, e outras coisas parecidas; portanto, porque a via da obrigação e da autoridade é mais segura que a do ardil. Se uma criança, porém, tiver sido educada em circunstâncias domésticas complicadas, então maneja a mentira com a mesma naturalidade e diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse; um sentido da verdade, uma repugnância ante a mentira em si, são-lhe completamente estranhos e inacessíveis, e, portanto, ela mente com toda a inocência.(...)"
Por essa reflexão, prefiro receber a verdade do agente do que a mentira.
E assim faço também, por isso talvez não seja uma pessoa muito amigável.
Certa vez encontrei com uma amiga que me perguntou se a cor do seu cabelo estava bonita, pois havia acabado de tingir.
Era um tom loiro cor de gema de ovo. Deixou seu rosto com 20 anos a mais, parecia vulgar. Mas esta era a minha opinião e eu jamais iria gostar de estar ridícula sem ter tal percepção e sem receber a opinião verdadeira de quem eu realmente gostaria de ter a opinião verdadeira.
Assim, entendi que a minha opinião para ela, seria relevante, do contrario não perguntasse! e respondi: "não ficou legal para o seu tom de pele, a raiz está aparecendo e tom loiro é cor de gema de ovo, peça opinião de um especialista, relaxe por hoje! mas se você se sente bem, minha opinião é apenas um capricho para a tua opinião sobre si mesma, neste momento"
E por se tratar de uma pessoa que me conhece, não foi a ela algo ofensivo, mas sim honesto.
Oras, por que dizer o contrário do que sentimos, se nos perguntam é porque nossa opinião é relevante (ou não...).
Imagine se eu ocultasse o que pensei e dissesse que estava "lindo" o tom do cabelo dela? seria horrível para mim, posteriormente, em uma situação parecida, ter que elogia-lo novamente. Eu teria que sair de mim mesma.
Portanto em algumas situações, mais vale revelar a verdade do que se manter na mentira, pois passamos a ser ridículos por não conseguir mante-la depois.
Nossas próprias ações nos revelam, o grande observador, aquele que se atenta aos detalhes, percebe a mentira e por traz dela, detecta a fraqueza do agente que mentiu.
Reflexão de Marcel Proust, "A Fugitiva" (citador.pt)
Mentimos para Proteger o nosso Prazer
"A mentira é essencial à humanidade. Nela desempenha porventura um papel tão importante como a procura do prazer, e de resto é comandada por essa mesma procura. Mentimos para proteger o nosso prazer, ou a nossa honra se a divulgação do prazer for contrária à honra. Mentimos ao longo de toda a nossa vida, até, e sobretudo, e talvez apenas, àqueles que nos amam. Só estes, com efeito, nos fazem temer pelo nosso prazer e desejar a sua estima."
Pela máxima de Heráclito, tudo flui.
A essência do homem, aprimora-se em fragmentos de segundos, não havendo nem passado e tampouco o futuro. Apenas estima-se o que foi e o que virá.
O que me parece mais importante é a honestidade.
E a honestidade gera conflitos entre opostos e só assim é possível atingir a harmonia.
Mas quem está disposto a enfrentar a consequencia da honestidade? e quem é honesto quando mente ou quando diz a verdade?
A essência do ser humano é aprimorada, na mesma velocidade dos acontecimentos a sua volta.
Todo ser humano mente, seja para proteger alguém, (mais entendo como proteger a si mesmo), seja por vaidade, enfim...Toda mentira é válida, o que importa aqui é compreender a recepção da mentira e como fica o nosso papel mediante a quem a recebeu.
A opinião de outrem incomoda por dois motivos: ou porque trata-se de uma pessoa cuja opinião é de extrema relevância para nossa vaidade ou porque não há confiança em si próprio (ou amor próprio).
Portanto a mentira torna-se negativamente relevante quando surta efeito contrário àquilo que se pretende com ela, sendo muito mais válido em alguns casos, atuar com a verdade, em favor da honestidade com aquilo que acreditamos/somos/desejamos.
E por outro lado, a verdade passa a ser irrelevante quando aquele que a recebe a tem como superficial, uma vez que a certeza de si mesmo é o ápice da questão levantada para o outro.
Assim, o que vale mais? a verdade ou a mentira?
Relativamente dizendo, qualquer uma.
É a honestidade que faz a diferença entre os seres humanos, ainda que dura e crua, perpetua o bom nível de contato entre pessoas de ideais comuns.
O homem está viciado em encarar suas próprias regras como suprema, é individual e o egocentrismo extrapolou a margem da sua própria natureza.
Verdade ou mentira? quem é honesto nos dias atuais?