domingo, 21 de agosto de 2011

Bocage

Cede a Filosofia à NaturezaTenho assaz conservado o rosto enxuto 
Contra as iras do Fado omnipotente; 
Assaz contigo, ó Sócrates, na mente, 
À dor neguei das queixas o tributo. 

Sinto engelhar-se da constância o fruto, 
Cai no meu coração nova semente; 
Já me não vale um ânimo inocente; 
Gritos da Natureza, eu vos escuto! 

Jazer mudo entre as garras da Amargura, 
D'alma estóica aspirar à vã grandeza, 
Quando orgulho não for, será loucura. 

No espírito maior sempre há fraqueza, 
E, abafada no horror da desventura, 
Cede a Filosofia à Natureza. 

Bocage

 Amor Sem Fruto, Amor Sem EsperançaAmor sem fruto, amor sem esperança 
É mais nobre, mais puro, 
Que o que, domando a ríspida esquivança, 
Jaz dos agrados nas prisões seguro. 
Meu leal coração, constante e forte, 
Vendo a teu lado acesos, 
Flérida ingrata, os ódios, os desprezos, 
O rigor, a tristeza, a raiva, a morte, 
Forjando contra mim, por ordem tua, 
Mil setas venenosas, 
Em prémio destas lágrimas saudosas, 
Inda assim continua 
A abrasar-se em teus olhos... Vis amantes, 
Corações inconstantes, 
De sórdidas paixões envenenados, 
Vós, a cujos ardores, 
A cujos desbocados 
Infames apetites 
A Virtude, a Razão não põe limites, 
Suspirai por ilícitos favores, 
Cevai-vos em torpíssimos desejos, 
Tratai, tratai de louco um amor casto, 
Que eu nos grilhões que arrasto; 
Tão limpos como o Sol, darei mil beijos. 
Peçonhenta aliança, 
Vergonhoso prazer, de vós não curo; 
De ti, sim, porque és puro, 
Amor sem fruto, amor sem esperança. 

Bocage
Fiei-me nos Sorrisos da VenturaFiei-me nos sorrisos da ventura, 
Em mimos feminis, como fui louco! 
Vi raiar o prazer; porém tão pouco 
Momentâneo relâmpago não dura: 

No meio agora desta selva escura, 
Dentro deste penedo húmido e ouco, 
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco 
Triste sombra a carpir na sepultura: 

Que estância para mim tão própria é esta! 
Causais-me um doce, e fúnebre transporte, 
Áridos matos, lôbrega floresta! 

Ah! não me roubou tudo a negra sorte: 
Inda tenho este abrigo, inda me resta 
O pranto, a queixa, a solidão e a morte. 

Bocage

















"Vai sempre avante a paixão,
Buscando seu doce fim;
Os amantes são assim:
Todos fogem à razão."


"Morrer é pouco, é fácil; mas ter vida
Delirando de amor, sem fruto ardendo,
É padecer mil mortes, mil infernos."


SONETO DO PRAZER MAIOR
 
Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,

Depois da meia-noite na janela:
Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;

Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:
Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,

E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:
Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.






 

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